PERSONAGENS - Nzinga Rainha de Matamba - ÁFRICA



                                                                                 
                                                                                 NZINGA - Rainha de Matamba


Nzinga Mbandi Cakombe, foi uma indomável e inteligente soberana (1624-1663)
do povo Ginga de Matamba e Angola e nascida em 1582, filha do oitavo Ngola,
em Cabassa, interior de Matamba,
que altaneira e silenciosa conseguiu juntar vários povos na sua luta contra os invasores portugueses
e resistiu até ao fim sem nunca ter sido capturada,
tornando-se conhecida pela sua coragem e argúcia.

Era filha do rei dos Mbundus no território Ndongo, e Matamba, (hoje em Angola),
Ngola Kiluanji, foi contemporânea de Zumbi dos Palmares (1655-1695),

Não foi fácil para Portugal retirar milhares de pessoas
da África para servirem como escravos na América.
Longas lutas de resistência foram travadas contra a colonização,
que contava com altos investimentos militares
e uma política que combinava opressão, violência e alianças com chefes locais.

A trajetória de Nzinga Mbandi é um exemplo
de como os chefes centro-africanos enfrentaram o avanço português.
Hábil guerreira, estrategista política e militar, Nzinga foi uma líder carismática,
uma rainha que passou a vida combatendo e morreu sem nunca ter sido capturada.

Os portugueses haviam iniciado a colonização a partir de Luanda sete anos antes,
e foram ganhando o interior com a construção de fortificações militares no curso do Rio Kwanza,
que abrigavam os comerciantes de escravos, (pumbeiros) e a organização de feiras
em que a principal mercadoria eram as pessoas escravizadas.

Criaram também um sistema de avassalamento de sobas,
os chefes locais autônomos que pagavam tributos ao Ngola
em troca de proteção militar e espiritual.
Após a invasão portuguesa, eles eram batizados e se declaravam fieis à Coroa.

Essa condição incluía diversos compromissos:
fornecer baculamentos (tributos pagos geralmente em escravos),
dar passagem às tropas do governo, permitir kitandas (feiras e mercados) em seu território
e contribuir com escravos para serem soldados da “guerra preta”,
o pelotão que lutava junto aos portugueses.

A guerra se generalizava, e com ela o clima de instabilidade.
Os sobados intensificavam ataques a povoados vizinhos
para saldar suas dívidas com os portugueses,
pois os prisioneiros capturados em guerra eram escravizados.

Ao sinal de qualquer atitude considerada infiel,
o governo português invadia os sobados e matava seus líderes,
substituindo-os por chefes aliados.

Foi nesse contexto de penetração portuguesa no reino do Ndongo,
movido pelo tráfico de escravos, que Nzinga Mbandi cresceu.
No reinado de seu irmão Ngola Mbandi, agravou-se a tensão entre os locais e os conquistadores.

Em 1617, o governador de Angola, Luis Mendes de Vasconcelos,
invadiu o reino do Ndongo para construir o forte de Mbaka,
a poucas milhas da Cabassa, a moradia do Ngola.
O resultado foi uma guerra intensa, ao fim da qual Ngola, vencido,
refugiou-se na ilha de Kindonga, no Rio Kwanza.

Em 1622, João Correia de Sousa assumiu o governo
e decidiu procurar o Ngola para restabelecer a paz,
uma vez que o cenário de guerra paralisara os mercados de escravos.
Foi quando Nzinga entrou em cena.

Ngola Mbandi mandou sua irmã mais velha
como embaixadora para negociar a paz com os portugueses.
Na audiência com o governador,
ela impressionou a todos por sua inteligência e habilidade diplomática.

Defendeu a manutenção da independência do Ndongo
e o não pagamento de qualquer tributo à Coroa portuguesa,
mas se mostrou aberta ao comércio.

Entendendo que a paz com os portugueses passava pelo batismo cristão,
aceitou o sacramento: recebeu o nome de D. Anna de Sousa,
tendo como padrinho o próprio governador.
De sua parte, os portugueses se comprometeram a efetivar a retirada do forte de Mbaka.

O acordo, porém, não foi cumprido nem por aquele governador nem pelos sucessores.
A situação levou ao enfraquecimento político de Ngola Mbandi,
que morreu na ilha de Kindonga, em 1624,
em circunstâncias que continuam sendo uma incógnita para a historiografia de Angola.

Nzinga se apoderou das insígnias reais e assumiu o trono do Ndongo.
A nova rainha foi associada à possibilidade de libertação do povo Mbundo,
etnia predominante no reino Ndongo.

As crescentes fugas de kimbares,
escravos que guarneciam os fortes ou eram dados pelos sobas para comporem a “guerra preta”,
enfraqueciam as tropas lusas, enquanto fortaleciam o exército de Nzinga.

Aproveitando-se desse contexto favorável, a rainha lançou uma campanha antilusitana,
formando e liderando uma confederação de descontentes com a colonização.
Com sua política astuta, conseguiu formar uma poderosa coligação
com os estados da Matamba, Ndongo, Congo, Kassanje, e Kissama,
Conquistou o apoio de sobas que já haviam se avassalado,
além de poderosos chefes que não pertenciam ao Ndongo, como o Ndembo Mbwila (Ambuíla).

Capturar Nzinga e reduzi-la à obediência passou a ser
um dos objetivos principais do governo português.
Em 1626, o governador de Angola, Fernão de Sousa,
arquitetou um golpe político para que Are Kiluanje,
um vassalo dos portugueses, assumisse o trono.

Nzinga se refugiou na ilha de Kindonga e conseguiu se livrar do cerco
usando sabiamente a geografia do local,
deslocando-se pelas diversas ilhas do Rio Kwanza.

Quando as tropas lusas enfim a encurralaram em Kindonga,
ela mandou seus embaixadores informarem que estava disposta a se render e se avassalar.
Para isso, no entanto, pediu uma trégua de três dias.
Passado o prazo, os portugueses perceberam que tinham caído em um golpe:
Nzinga já estava longe dali.

A rainha foi então buscar proteção junto aos temidos jagas,
guerreiros nômades que se organizavam em kilombos,
acampamentos que se deslocavam conforme as necessidades de guerra,
com rígida hierarquia e severa disciplina militar.

Nzinga recebeu o título feminino mais importante no kilombo, Tembanza,
assumindo funções rituais essenciais.
Imprimiu consciência política aos bandos, que até então viviam errantes,
praticando roubos e sem se prenderem a linhagens.

Sob o comando de Nzinga, os kilombos passaram a compor
a frente de resistência contra a ameaça estrangeira.
O incrível poderio bélico que Nzinga conseguiu mobilizar junto aos jagas
foi crucial para se manterem livres e vencer os portugueses por várias vezes.

Por volta de 1630, Nzinga ocupou o reino de Matamba (Ndongo Oriental),
terra evocativa de seus ancestrais e tradicionalmente governada por mulheres.
Foi na condição de rainha de Matamba que ela soube da invasão holandesa em Angola, em 1641.
Ali estava uma oportunidade de estabelecer nova aliança
para minar a presença portuguesa na região.

Nzinga aproximou-se dos invasores, e juntos criaram uma importante rota comercial
que conectava Luanda (agora de posse holandesa) a Matamba,
comerciando mercadorias europeias, sobretudo armas de fogo.

Era fundamental para a oligarquia do Brasil
restabelecer o domínio do mercado de escravos em Angola.
Isso foi conseguido em 1648 por iniciativa de Salvador de Sá,
que organizou tropas formadas por índios e brasileiros para expulsar os holandeses.

A vitória lusa teve o efeito direto de enfraquecer a rainha Nzinga.
Suas duas irmãs foram capturadas e mantidas como reféns pelos portugueses.
Kifunge acabou assassinada em Massangano, acusada de espionagem.
Mkombe ficou presa em Luanda,
utilizada como arma política a fim de forçar a rendição de Nzinga.

O papa Gregório XV, com o objetivo de diminuir o poder
que as coroas ibéricas tinham acumulado com as colonizações,
criara em 1622 a Propaganda Fide, a “propagação da fé”,
que permitiu a ida à África Central de missionários
que não tinham relações com a Coroa portuguesa.
Entre eles estavam os capuchinhos, que chegaram à região na década de 1640.

Nzinga enxergou nesses religiosos outra possibilidade
de fazer novos aliados europeus que não fossem ligados ao governo português.
Por meio do capuchinho italiano Antonio de Gaeta,
Nzinga retornou ao catolicismo em 1656, renegando os ritos gentílicos e aceitando a fé de Cristo.

A conversão ao cristianismo foi uma saída estratégica, pois, já idosa,
ela sabia que a cruz seria o caminho mais rápido para a paz e para conseguir o retorno de Mkombe,
sua irmã indicada à sucessão de Matamba, enfim libertada pelos portugueses em 1657.

A líder de Matamba morreu em dezembro de 1663,
com mais de 80 anos, sepultada de acordo com os ritos cristãos.
e foi sucedida por sua irmã Mkombe.
O povo Mbundo a venerou como “rainha imortal”,
que nunca se entregou e que jamais aceitou a submissão aos invasores.

Dois anos mais tarde, o Rei do Congo empenhou todas as suas forças
para retomar a Ilha de Luanda, ocupada por Correia de Sá,
saindo derrotado e perdendo a independência,
e no início da década seguinte o Reino do Ndongo foi submetido à Coroa Portuguesa (1771).

A rainha de Matamba e Angola tornou-se mítica
e foi uma das mulheres e heroínas africanas cuja memória desafiou tempo,
dando origem a um imaginário cultural que invadiu o folclore brasileiro com o nome de Ginga,
despertou o interesse dos iluministas como no romance Zingha,

Ainda hoje é reverenciada como exemplo de heroína angolana
pelos modernos movimentos nacionalistas de Angola.
Sua vida tem despertado um crescente interesse dos historiadores,
antropólogos e outros estudiosos do período do tráfico de escravos.

Sua resistência à ocupação dos portugueses do território angolano
e o conseqüente tráfico de escravos,
tem sido motivo de intensos estudos para a compreensão de seu momento histórico,
caracterizado por sua habilidade política e espírito de liderança
desta rainha africana na defesa de sua nação

Sua fama atravessou o Atlântico e chegou ao Brasil.
Aqui, o nome Ginga, ou Jinga, é evocado em rodas de capoeira,
em congados e maracatus de múltiplas formas:
como guerreira que engana os adversários, inimiga da corte cristã, venerável ancestral de Angola.

Fonte: Revista de História
           Por: Mariana Bracks é autora da dissertação “Nzinga Mbandi e as guerras de resistência.
           Século XVII” (USP, 2012).
           https://pt.wikipedia.org/

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